sexta-feira, 7 de janeiro de 2011

Intervindo de fora para dentro

Se a poesia deve reanimar na alma as virtudes da criação, se deve nos ajudar a reviver, em toda a sua intensidade e em todas as suas funções , nossos sonhos naturais, precisamos compreender que a mão, assim como o olhar, tem seus devaneios e sua poesia. Deveremos portanto descobrir os poemas do tato, os poemas da mão que amassa.

Gaston Bacherlad

Por Pâmela Raizia

Momento de estar nas ruas e vivenciar a surpreendente experiência de ter contatos e deixar-se contaminar pelo toque ou a ausência do mesmo, onde os encontros proporcionam na vida alheia assim como na do próprio ser humano/ator/performer grandes transformações.

Correria para essa nova fase da vida e uma bagagem surpreendente (não em quantidade, mas em intensidade). Dentro dessa bagagem, mesmo nessa turbulência toda, encontram-se nossas intervenções na Revirada Cultural – um misto de risco, vontades, memórias, (des)ordens, imprevistos, diversão e singularidades enraizados em nosso ser/estar/sentir/existir...

Goiânia é uma cidade maravilhosa, costumo me sentir em uma capital com “cara de interior”, e nesse ambiente a realização das intervenções Solobaquianas na Revirada Cultural modificaram uma série de impressões, onde enquanto performer nos deliciamos com a infinidade de momentos nos quais uma série de ações deixam marcas inesquecíveis.

As “Jalequeiras” arrasando na Bernardo Sayão... A reação das pessoas é maravilhosa e a troca (por mais tímida que seja – no meu caso), é de uma dimensão que transcende o objetivo proposto e chega a um lugar que se faz no olhar, no toque, na falta do contato e no “quando” ele acontece, no jogo, nos risos... no estar presente. Experimentar na rua é um grande presente, a oportunidade de lidar com inusitado o tempo inteiro e ser o inusitado simultaneamente.

A Avenida Goiás teve um significado muito especial para mim. Entrar novamente em um figurino usado anteriormente na Oficina do Espetáculo, trabalhar com elementos antes experimentados, agora em um outro contexto, enriqueceu as perspectivas de criação e interação dentro dos elementos de cada um dos performers (Natássia, Isabela, Murilo, Mônica e Pâmela) que como em uma aquarela pintada (a cidade e sua cultura existente) fizeram sombras com suas luzes particulares e descobriu-se uma nova sincronicidade com a aquarela enquanto um todo.

O Eixo Anhangüera é uma teia de pessoas e a múltipla rotatividade das mesmas, nas quais compõem o cenário diversificado e se deslocam para o trabalho, para casa, escola, ganham a vida vendendo doces, música e pregando suas crenças com livros sagrados nas mãos.

Nesse percurso, Mônica com sua pele pintada com argila, vestes cor de pele e bijouterias que se assemelhavam à jóias, era alvo de olhares que reagiam de diferentes formas a figura de “pele estranha”. Isabela e sua música modificavam a melodia do ambiente e deixava ressoar o ritmo da euforia dos trechos de ônibus.

A minha parte consistia em entregar pedaços de jornais (em forma de papiros) com trechos de poesias escritas. Com a frase licença, só um minutinho... é pra você! Abordava as pessoas no eixo (ônibus), plataformas e terminais. Varias reações marcaram a intervenção: sorrisos assustados; pensamentos distante ao ler a poesia; desprezo por um “pedaço de jornal”; tentativas de entender os motivos de “algo oferecido de graça”; vontade de receber o que é oferecido, que levou um homem a correr dentro do ônibus antes que ele saísse do terminal e pedisse um papiro para si, após ver uma mulher ganhar e agradecer ao ter ganho...

Esses ambiente recepcionaram a intervenção Pele, papiros e profissões.

Intervenções como essa para um grupo que vem germinando a pouco tempo, traz para mim o sentimento gratificante de crescimento enquanto um e enquanto grupo. Querer, permitir e ir em frente em prol daquilo que se acredita, faz toda diferença quando lança-se em uma proposta artística que vai muito além da estética de belo, já que o ser humano, que (se)envolve em ações lidam com o contato, olhar, sensações e percepções que se harmonizam na composição do teatro/performance/intervenção.

Gratidão. Perceber as experiências e se perceber em todas elas. Duvidar que seu corpo tenha determinada capacidade, e antes de concluir-se incapaz ter o espaço e o estímulo para tentar. Correr para o abismo do desconhecido e reconhecer que esse abismo é você. Compreender e não compreender e sentir que o tempo é o maior/melhor juiz para todas as circunstancias. Colecionar abraços, beijos, gargalhadas e lágrimas sabendo que nenhum poderá ser trocado por ser mais do que especial e único...

Contudo, mais do que performers/atores somos seres humanos cheios de vida, onde o movimento inicia-se com o pulsar do nosso coração, e forma um movimento ainda mais amplo quando se junta com o pulsar de um mundo inteiro, de uma multidão pulsante... O movimento nos permite não estar nunca inerte, o movimento nos permite a vida e a chance de transformar a vida.